A obra da redenção não foi um pensamento posterior na mente
de Deus, nem uma improvisação, um plano B, resultante de uma surpresa
introduzida pelo pecado e suas consequências. Ao contrário, o plano divino para
a salvação da humanidade foi formulado antes da fundação do mundo. O vidente de
Patmos se refere ao “Cordeiro que foi morto, desde a fundação do mundo” (Ap
13:8). Um aspecto central na obra da redenção é o sofrimento e morte de Jesus.
Por essa razão, afirma-se que, no coração da religião cristã, encontra-se uma
cruz. Sobre essa cruz, Deus lidou com o problema introduzido pelo pecado e
realizou a salvação do pecador.
Historicamente, a cruz se situa no tempo há uns dois mil
anos. Entretanto, podemos dizer que essa cruz, antes de ser erguida no
Calvário, foi planeada no coração de Deus desde a fundação do mundo.
Devido à sua importância, é extremamente perigoso o
pensamento de que a morte de Jesus não seja substitutiva. Alguns consideram o
pensamento da substituição como irrelevante, ou muito violento, ou mesmo
insuficiente.
Mas qual é o conceito bíblico? Isto é o que estudaremos
nesta semana.
Jesus em Isaías 53
Alguns autores consideram o texto de Isaías 52:13-53:12 como
o mais importante do Antigo Testamento. Independentemente da importância que
lhe é atribuída, ele é o mais citado/aludido no Novo Testamento, visto ser uma
das mais completas descrições da obra redentora do Messias. Com ela se
anunciava, sem margem para dúvidas, que a única solução para o problema
introduzido pelo pecado seria a obra do Servo do Senhor.
Isaías 53 fala de rejeição: o Servo foi rejeitado enquanto
viveu (53:1-3). E o clímax da rejeição ocorreu na morte do Servo (53:4-9). Por
que morreu? Que significado tem Sua morte? Ele morreu em nosso lugar, como
nosso Substituto. Sua obra foi em nosso favor. Não morreu por causa de Seus
pecados, visto que não pecou, e sim, por causa dos nossos. Teologicamente, foi
uma morte expiatória e uma expiação vicária.
A morte do Servo foi iniciativa divina, evidência de Sua
graça, livremente estendida ao pecador. No verso 6 lemos que “o Senhor fez cair
sobre Ele a iniquidade de todos nós”, uma linguagem que nos remete a Levítico
16.
O verso 7 declara que o Servo foi levado como um
Cordeiro ao matadouro. O cordeiro era o
animal mais representativo do sistema sacrifical. Mas aqui estava o verdadeiro
Cordeiro, “o Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo” (Jo 1:29). Ao ser
sacrificado, o Messias cumpriu todo o simbolismo dos sacrifícios levíticos,
tornando-os desnecessários.
Resumindo a obra realizada pelo Servo sofredor, Ele
purificou, carregou as enfermidades, assumiu as dores, o castigo Lhe foi
imposto, Seus ferimentos trouxeram a cura, Ele ofereceu a vida em expiação, Ele
justificou, entregou-Se à morte e intercedeu pelos outros. Mas o Servo não
permaneceria morto. Voltaria a viver. Seria exaltado (52:13) e ficaria
satisfeito ao ver que não morrera em vão. Muitos seriam justificados em virtude
de Seu sacrifício expiatório.
Essa descrição profética da morte sacrifical de Cristo foi
oferecida por Isaías como a única forma eficaz para a expiação do pecado.
Cristo Se tornou o que nós somos para que fôssemos restaurados à comunhão com
Deus.
Para reflexão: Pense na grandeza da obra de Cristo realizada
na cruz do Calvário em seu favor. A obra foi definitiva. Não é necessário
repetir-se. Que resposta você tem dado a essa manifestação da graça infinita?
Foi por você. Aceite a oferta! O caminho da salvação está aberto. O Messias o
espera.
Substituição
suficiente
Todo o sistema de ofertas do Antigo Testamento apontava para
a morte substitutiva de Jesus. Ele foi a oferta final pelos pecados da humanidade.
Não havia outra saída. A salvação se fundamenta no sacrifício único de Jesus. O
caminho para a glória passa pelo Calvário. A paixão precede a glória. Não
existe glória sem paixão. A cruz precede a coroa. O clamor de Jesus no Getsémani,
pedindo ao Pai que, se possível, passasse o cálice adiante, revela de forma
inequívoca que o caminho da cruz não podia ser evitado, caso o plano da
salvação devesse ser concretizado.
Paulo desenvolveu essa ideia no capítulo 2 de Hebreus. De
Seu exaltado estatuto (Hb 1:5-14), recebendo a adoração e o serviço dos anjos,
Jesus Se tornou temporariamente inferior a tais seres celestiais. De que forma?
Tornando-Se homem e sendo posto à morte. Ele “provou” a morte por, em favor de,
e em lugar de, todos os homens. A expressão “provar a morte” descreve
graficamente “a realidade difícil e dolorosa de morrer que é experimentada pelo
homem e que foi sofrida também por Jesus.” A amargura da morte experimentada
“não foi a de um nobre mártir aspirando a um status de santidade, mas como o
Salvador, sem pecado, que morreu para libertar os pecadores da maldição da
morte espiritual”. O Calvário é o caminho para a reconciliação entre o homem
pecador e o Deus santo. Assim, o Calvário, longe de ser uma derrota, é uma
estrondosa vitória. Embora, historicamente, a cruz tenha sido o ponto mais
baixo na carreira de Jesus, paradoxalmente foi também o mais elevado.
Contextualmente, o sofrimento e a morte de Jesus pavimentam o caminho para a
glória. Humilhação e exaltação funcionam como dois aspectos complementares de
uma única obra. A expressão “coroado de glória e de honra” (v. 9) relembra a
investidura de Aarão como sumo sacerdote (Êx 28:2, 40), o que antecipa o
argumento posterior de que Jesus é nosso Sumo Sacerdote.
O sangue de Cristo
O dilema humano presente na carta aos hebreus é a
contaminação, e o agente para efetuar a purificação é o sangue. Porém, não o
sangue de touros e bodes, que pode até realizar uma purificação exterior ou
cerimonial, mas não tem o poder de purificar a consciência. O apóstolo
apresenta um tipo de sangue superior, o sangue do próprio Cristo. Em muitas
ocasiões, o autor destaca a superioridade do sangue de Cristo em relação ao
sistema ritual do santuário, com seus repetidos sacrifícios de animais e
consequente derramamento de sangue.
Enquanto o sumo sacerdote entrava no lugar santíssimo do
santuário terrestre, com sangue de animais, apenas uma vez ao ano – acesso
limitado –, Cristo entrou com Seu próprio sangue no santuário celestial para
sempre – acesso ilimitado. A obra de Cristo em Hebreus é enfatizada por meio
das repetidas referências a Seu sangue, que assegura o perdão a quem O aceitar.
Seu sangue, sendo superior, foi derramado uma vez para sempre para purificar os
pecados. Seu sangue nos aperfeiçoa e nos torna santos. Naturalmente, não se
trata do sangue de Cristo em si, mas da ação de Se oferecer a Deus como um
sacrifício sem mácula (9:14) e os resultados positivos para aqueles que se
apropriam de Sua oferta de perdão e purificação.
Para reflexão: Temos
permitido que o sangue salvífico de
Cristo realize, com todo o seu poder, tudo aquilo que é capaz de fazer em nossa
vida? Seu poder purificador tem atingido cada área de nossa vida, ou temos
limitado seu acesso e assim conservado algum “pecado acariciado”?
Sacrifício imaculado
A lei ordenava que o animal oferecido em sacrifício no
santuário devia ser perfeito. A razão para isto é que ele simbolizava a Cristo,
a oferta sacrifical por excelência. O apóstolo Pedro deixou isso bem claro
quando afirmou que fomos resgatados pelo “precioso sangue, como de Cordeiro sem
defeito e sem mácula, o sangue de Cristo” (1Pe 1:18, 19). Não é possível ao
homem oferecer alguma coisa por si mesmo, visto que é naturalmente imperfeito.
Somente o Substituto celestial pode expiar os pecados da humanidade. Ao homem
compete apenas aceitar a oferta graciosamente oferecida pelo Céu em seu favor.
Jesus Cristo é a oferta perfeita: “santo, inculpável, sem
mácula, separado dos pecadores” (Hb 7:26). Embora tenha sido tentado em todas
as coisas, Jesus nunca cedeu à tentação. Era sem pecado e não cometeu pecado
algum. A expressão “a Si mesmo Se ofereceu sem mácula a Deus” (9:14) indica
porque o sacrifício de Cristo é “absoluto e final.” Ao qualificar Cristo como
“sem mácula” (ámomon - ἄμωμον) o autor nos remete aos sacrifícios realizados no
santuário. Esse termo denota a ausência de defeitos no animal sacrifical (Nm
6:14; 19:2). Com isso é enfatizada a perfeição do sacrifício de Cristo. Jesus é
não apenas o Sumo Sacerdote sem pecado (4:15; 7:26), como também a vítima “sem
mácula”. A oferta de Si mesmo a Deus, sem mácula, foi a culminação de uma vida
de perfeita obediência (5:8-9; 10:5-10).
Para reflexão:
Como professo seguidor de Cristo, entendo o chamado para ser santo e
irrepreensível (Ef 1:4)? O que está faltando em minha vida para que se realize
em mim o propósito de Deus?
Um grande perigo
Paulo demonstrou a superioridade de Jesus mediante
diferentes comparações, exaltou a suficiência de Seu sacrifício, de Seu sangue
que purifica nossa consciência, assegurando-nos uma santa ousadia para entrar à
presença de Deus. Entretanto, em alguns pontos ele apresenta advertências que
vão se tornando progressivamente mais sérias, e que merecem nossa profunda
consideração.
Em primeiro lugar, ele advertiu contra o perigo de abandonar
a verdade (Hb 2:1-4). A seguir, advertiu acerca do perigo de não entrar em Seu
repouso por causa da dureza do coração (3:8-11). Depois, há o perigo de não
alcançar a maturidade espiritual, caindo pelo caminho, após tudo o que alguém
experimentou na vida cristã, e não mais ser levado ao arrependimento (6:4, 5).
O resultado disto é uma expectativa aterradora de juízo e do fogo que consome
os inimigos de Deus (10:27). Viver deliberadamente em pecado após alcançar o
conhecimento da verdade é algo muito sério (10:26). Com isso é novamente
crucificado o Filho de Deus e exposto à ignomínia (6:6). É calcar aos pés o
Filho de Deus e profanar o sangue da aliança e ultrajar o Espírito da graça
(10:29). Esse é um tipo de apostasia que pode levar a pessoa a rejeitar
definitivamente a Cristo.
Como exposto na lição, “poucos cristãos rejeitariam
abertamente o sacrifício de Cristo, ou mesmo pensariam em algo semelhante”. O
perigo é que sutilmente podemos assumir uma posição com respeito às realidades
espirituais que termine em completa apostasia. Por isso, é necessário que
estejamos atentos a nós mesmos, à nossa vida espiritual, aos exercícios
espirituais – comunhão, relacionamento e missão.
Para reflexão: De
alguma forma sutil, estaríamos nós abandonando as verdades da salvação? A fé
entregue aos santos? O que podemos fazer para renovar nossa fidelidade a
Cristo?
Conclusão
Jesus morreu em meu lugar. Ele é meu Substituto. Pagou
com sangue o preço da minha salvação.
Por que, então, muitas vezes me encontro negociando com Deus o tipo de
discipulado que desejo oferecer-Lhe? Não entendo que, agindo assim, estou
amesquinhando a morte de Cristo? Por que é tão difícil para mim, pecador,
entregar-me completamente a Cristo? O que posso fazer?
Para mais informações, ver Millard J. Erickson, Christian
Theology, 2ª ed. (Grand Rapids, MI: Baker, 2004 [7ª impressão]), 818-840; Raoul
Dederen, ed., Tratado de Teologia Adventista do Sétimo Dia (Tatuí, SP: CPB,
2011), 193-205.
Gerhard von Rad, Teologia do Antigo Testamento (São Paulo:
ASTE, 1974), v. 2, p. 248.
Para uma análise do significado da preposição hyper, usada
em Hebreus 2:9, ver Erickson, p. 831.
Johannes
Behm, Theological Dictionary of the New Testament, v. 1, p. 677.
S. J.
Kistemaker & W. Hendriksen, New
Testament Commentary: Exposition of Hebrews (Grand Rapids: Baker Book House,
1953-2001), v. 15, p. 67.
W. L. Lane,
Word Biblical Commentary: Hebrews 9-13 (Dallas: Word, Incorporated, 2002), v.
47B, p. 239.
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