1. Sentido e objectivo do documento
No interior da grande peregrinação que Cristo, a Igreja e a humanidade realizaram e devem continuar a realizar na história, todo o cristão é chamado a inserir-se e participar. O santuário para o qual ele se dirige deve tornar-se por excelência "a tenda do encontro", como a Bíblia chama ao tabernáculo da aliança. Estas palavras unem directamente a reflexão sobre a peregrinação àquela sobre o santuário, que é normalmente a meta visível do itinerário dos peregrinos: Sob o nome de santuário, entende-se a igreja ou outro lugar sagrado, aonde os fiéis em grande número, por algum motivo especial de adoração, fazem peregrinação. No santuário, o encontro com o Deus vivo é proposto através da experiência vivificante do Mistério proclamado, celebrado e vivido: Nos ( templos ou salas de culto) santuários, oferecem-se aos fiéis meios de salvação mais abundantes, anunciando com diligência a palavra de Deus, incentivando adequadamente a vida cristão e ao testemunho. Assim, os santuários são como pedras miliares que orientam o caminho dos filhos de Deus sobre a terra, promovendo a experiência de convocação, encontro e construção da comunidade local, regional ou mundial.
Reflectir, por isso, sobre a natureza e a função do santuário pode contribuir de maneira eficaz para acolher e viver o grande dom de reconciliação e de vida nova, que a igreja oferece continuamente a todos os discípulos do Redentor e, através deles, à inteira família humana.
A reflexão que a seguir se apresenta é apenas uma modesta ajuda para apreciar sempre mais o serviço que os santuários prestam à vida da comunidade.
2. À escuta da revelação
Para que a reflexão sobre o santuário/templo seja nutriente para a fé e fecunda para a acção pastoral, é necessário que ela derive da escuta obediente da revelação, na qual são apresentadas com densidade a mensagem e a força de salvação contidas no mistério do encontro ou da koinonia.
Na linguagem bíblica, sobretudo paulina, o termo “mistério” exprime o desígnio divino de salvação que se vem realizando na vicissitude humana. Quando na escola da Palavra de Deus se perscruta o “mistério do Templo”, percebe-se, para além dos sinais visíveis da história, a presença da “glória” divina (cf. Sl 29, 9), isto é, a manifestação de Deus três vezes Santo (cf. Is 6, 3), a sua presença em diálogo com a humanidade (cf. 1 Rs 8, 30-53), o seu ingresso no tempo e no espaço, através “da tenda” que Ele pôs no meio de nós (cf. Jo 1, 14). Aparecem assim as linhas de uma teologia do templo, em cuja luz pode ser melhor compreendido também o significado do santuário.
Esta teologia é caracterizada por uma concentração progressiva: em primeiro lugar, emerge a figura do “templo cósmico”, celebrado por exemplo pelo Salmo 19 através da imagem dos “dois sóis”, o “sol da Tora”, ou seja, da revelação explicitamente dirigida a Israel histórico bem como ao Israel espiritual (vv. 8-15), e o “sol do céu” que “narra a glória de Deus” (vv. 2-7) através duma revelação universal silenciosa, mas eficaz, destinada a todos. No interior deste templo a presença divina é viva em todas as partes, como recita o Salmo 139, e é celebrada uma liturgia aleluítica, atestada pelo Salmo 148, que além das criaturas celestes introduz 22 criaturas terrestres (tantas quantas são as letras do alfabeto hebraico, para significar a totalidade da criação) que entoam um aleluia universal.
Há, portanto, o templo de Jerusalém, guardião da Arca da aliança, lugar santo por excelência da fé hebraica e permanente memória do Deus da história, que estabeleceu aliança com o Seu povo e a ele permanece fiel. O templo é a casa visível do Eterno (cf. Sl 11, 4), preenchida pela nuvem da Sua presença (cf. 1 Rs 8, 10.13), repleta da Sua “glória” (cf. 1 Rs 8, 11).
Por fim, há o templo novo e definitivo, constituído pelo Filho eterno que veio na carne (cf. Jo 1, 14), o Senhor Jesus crucificado e ressuscitado (cf. Jo 2, 19-21), que faz dos crentes n'Ele o templo de pedras vivas, que é a Igreja peregrina no tempo: “Aproximai-vos d'Ele, pedra viva, rejeitada pelos homens, mas escolhida e preciosa aos olhos de Deus. E vós mesmos, como pedras vivas, entrai na construção dum edifício espiritual, por meio dum sacerdócio santo, cujo fim é oferecer sacrifícios espirituais que serão agradáveis a Deus, por Jesus Cristo” (1 Pd 2, 4-5). Ao aproximar-se d'Aquele que é “pedra viva” constrói-se o edifício espiritual da aliança nova e perfeita e prepara-se a festa do Reino “ainda não” plenamente realizado mediante os sacrifícios espirituais (cf. Rm 12, 1-2), agradáveis a Deus precisamente porque actuados em Cristo, por Ele e com Ele, a Aliança em pessoa. A Igreja, apresenta-se assim sobretudo como “o templo santo, representado de modo visível nos santuários de pedra.
3. As arcadas fundamentais
Na luz destes testemunhos é possível aprofundar o “mistério do Templo” em três direcções, que correspondem às três dimensões do tempo e constituem também as arcadas fundamentais de uma teologia do santuário, que é memória, presença e profecia do Deus connosco.
Em relação ao passado único e definitivo do evento salvífico, o santuário oferece-se como memória da nossa origem junto do Senhor do céu e da terra; em relação ao presente da comunidade dos remidos, reunida no tempo que está entre o primeiro e o último Advento do Senhor, delineia-se como sinal da divina Presença, lugar da aliança, onde sempre de novo se exprime e se regenera a comunidade da aliança; em relação à futura realização da promessa de Deus, àquele “ainda não” que é o objecto da maior esperança, o santuário apresenta-se como profecia do amanhã de Deus no hoje do mundo.
Em relação a cada uma destas três dimensões será possível desenvolver também as linhas inspiradoras de uma pastoral dos santuários, capaz de traduzir na vida pessoal e eclesial a mensagem simbólica do templo, no qual se reúne a comunidade cristã convocada pelo Senhor e pelos seus colaboradores.
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