Aquele que no Antigo Testamento é o Templo de Jerusalém, no Novo Testamento encontra o seu cumprimento mais alto na missão do Filho de Deus, que Se torna o novo Templo, a habitação do Eterno entre nós, a aliança em pessoa. O episódio da expulsão dos vendedores que estavam no templo (cf. Mt 21, 12-13), proclama que o espaço sagrado, por um lado, se dilatou a todas as nações - como confirma também o particular de grande valor simbólico do véu do templo “que se rasgou em duas partes, de alto a baixo” (Mc 15, 38) -; por outro, se concentrou na pessoa d'Aquele que, vencedor da morte (cf. 2 Tm 1, 10), poderá ser para todos oS CRENTES o encontro com Deus.
Aos chefes religiosos, Jesus diz: “Destruí este santuário e Eu em três dias o levantarei”. Ao referir-se à réplica deles - “Foram precisos quarenta e seis anos para edificar este santuário e Tu reedificá-lo-ás em três dias?” - o evangelista João comenta: “Mas Ele falava do santuário do Seu corpo. Por isso, quando Ele ressuscitou dos mortos, recordaram-se os discípulos do que tinha dito e acreditaram na Escritura e na palavra que Jesus dissera” (Jo 2, 19-22).
Também na economia da nova Aliança o Templo é o sinal da iniciativa do amor de Deus na história: Cristo, o enviado do Pai, o Deus que Se fez homem por nós, sacerdote supremo e definitivo (cf. Hb 7), é o Templo novo, o Templo esperado e prometido, o santuário da nova e eterna Aliança (cf. Hb 8). Tanto no Antigo como no Novo Testamento, portanto, o santuário é a memória viva da origem, isto é, da iniciativa com a qual Deus nos amou primeiro (cf. 1 Jo 4, 19). Todas as vezes que Israel olhou para o Templo com os olhos da fé, todas as vezes que com estes mesmos olhos os cristãos olham para Cristo, novo Templo, e para os santuários que eles mesmos edificaram a partir do édito de Constantino, como sinal de Cristo vivo no meio de nós, neste sinal reconheceram a iniciativa do amor de Deus vivo pelos homens.
Deste modo, o santuário testemunha que Deus é maior do que o nosso coração, que nos amou desde sempre e nos deu o seu Filho e o Espírito Santo, porque quer habitar em nós e fazer de nós o Seu templo e, dos nossos membros, o santuário do Espírito Santo, como diz São Paulo: “Não sabeis que sois templos de Deus e que o Espírito de Deus habita em vós? Se alguém destruir o templo de Deus, Deus o destruirá. Porque o templo de Deus, que sois vós, é santo” (1 Cor 3, 16-17; cf. 6, 19); “porque nós somos o templo de Deus vivo, como Deus diz: "Habitarei e caminharei entre eles, e serei o seu Deus, e eles serão o Meu povo"” (2 Cor 6, 16).
O santuário é o lugar da permanente actualização do amor de Deus, que pôs a Sua tenda no meio de nós (cf. Jo 1, 14), por isso, como afirma Agostinho, no lugar santo “não há sucessão de dias como se cada dia tivesse de chegar e depois passar. O início de um não indica o fim do outro, porque nele se encontram presentes todos contemporaneamente. A vida, à qual esses dias pertencem, não conhece ocaso”. No santuário ressoa assim, de modo sempre novo, o anúncio jubiloso de que “Deus nos amou primeiro e nos deu a capacidade de O amar... Não nos amou para nos deixar feios como éramos, mas para nos mudar e nos tornar belos... De que modo seremos belos? Amando-O, a Ele que é sempre belo. Quanto mais crescer em ti o amor, tanto mais crescerá a beleza; a caridade é precisamente a beleza da alma”. O santuário, então, recorda constantemente que a vida nova não nasce “de baixo” por uma iniciativa puramente humana, que a Igreja não é fruto simplesmente da carne nem do sangue (cf. Jo 1, 13), mas que a existência remida e a comunhão eclesial em que ela se exprime, nascem “do alto” (cf. Jo 3, 3), da iniciativa gratuita e surpreendente do amor trinitário que precede o amor do homem (cf. 1 Jo 4, 9-10).
Admiração e adoração
Para a vida cristã, quais são as consequências desta primeira e fundamental mensagem, que o santuário transmite enquanto memória da nossa origem junto do Senhor?
Podem-se determinar três perspectivas fundamentais.
Em primeiro lugar, o santuário recorda que a Igreja nasce da iniciativa de Deus: iniciativa que a piedade dos fiéis e a aprovação pública da Igreja reconhecem no evento de fundação, que está na origem de cada santuário. Portanto, em tudo aquilo que se refere ao santuário e em tudo o que nele se exprime, é preciso discernir a presença do mistério, obra de Deus no tempo, manifestação da Sua presença eficaz, escondida sob os sinais da história. Esta convicção é, além disso, veiculada no santuário através da mensagem específica a ele conexa, tanto em referência aos mistérios da vida de Jesus Cristo, quanto em relação a qualquer um dos títulos de Maria, “modelo de virtude diante de toda a comunidade dos eleitos”, e também em relação a cada um dos Santos, cuja memória proclama “as grandes obras de Cristo nos Seus servos”.
Aproximamo-nos do mistério com uma atitude de admiração e de adoração, com um sentido de maravilha diante do dom de Deus; por esta razão, entra-se no santuário com o espírito de adoração. Quem não é capaz de se maravilhar com a obra de Deus, quem não percebe a novidade daquilo que o Senhor opera com a Sua iniciativa de amor, nem sequer poderá perceber o sentido profundo e a beleza do mistério do Templo, que no santuário se faz reconhecer. O respeito devido ao lugar santo exprime a consciência de que, diante da obra de Deus, é preciso que nos ponhamos não numa lógica humana, que tem a pretensão de definir tudo com base naquilo que se vê e se produz, mas numa atitude de veneração, rica de admiração e de sentido do mistério.
Certamente, é preciso uma adequada preparação para o encontro com o santuário, a fim de captar, para além dos aspectos visíveis, artísticos ou de folclore, a obra gratuita de Deus evocada pelos vários sinais: aparições, milagres, eventos fundacionais, que constituem o verdadeiro primeiro início de cada santuário enquanto lugar da fé.
Esta preparação desenvolver-se-á, antes de tudo, nas etapas do caminho que conduz o peregrino ao santuário, como acontecia com os peregrinos de Sião que se preparavam para o grande encontro com o Santuário de Deus, através do canto dos Salmos das ascensões (Sl 120-134), que são uma verdadeira e própria catequese litúrgica sobre as condições, a natureza e os frutos do encontro com o mistério do Templo.
A disposição topográfica do santuário e de cada um dos seus ambientes, o comportamento respeitoso que será solicitado também aos simples visitantes, a escuta da Palavra, a oração e a celebração dos sacramentos, serão instrumentos válidos para ajudar a compreender o significado espiritual de quanto nele é vivido. Este conjunto de actos exprimirá o acolhimento do santuário, aberto a todos e em particular à multidão de pessoas que, na solidão de um mundo secularizado e dessacralizado, percebem no mais íntimo do seu coração a nostalgia e o fascínio da santidade .
Acção de graças
Em segundo lugar, o santuário recorda a iniciativa de Deus e faz-nos compreender que essa iniciativa, fruto de puro dom, deve ser acolhida em espírito de acção de graças.
Entramos no santuário, antes de tudo, para agradecer, conscientes de que fomos amados por Deus antes que nós mesmos fôssemos capazes de O amar; para exprimir o nosso louvor ao Senhor pelas maravilhas por Ele operadas (cf. Sl 136); para Lhe pedir perdão dos pecados cometidos; para implorar o dom da fidelidade na nossa vida de crentes e a ajuda necessária ao nosso peregrinar no tempo.
Os santuários constituem nesse sentido uma excepcional escola de oração, onde especialmente a atitude perseverante e confiante dos humildes testemunha a fé na promessa de Jesus: “Pedi e dar-se-vos-á” (Mt 7, 7).
Perceber o santuário como memória da iniciativa divina significa, então, educar-se para a acção de graças, nutrindo no coração um espírito de reconciliação, de contemplação e de paz. O santuário recorda-nos que a alegria da vida é, antes de tudo, fruto da presença do Espírito Santo, que anima em nós também o louvor de Deus. Quanto mais formos capazes de louvar o Senhor e de fazer da vida uma perene acção de graças ao Pai (cf. Rm 12, 1), apresentada em união com aquela única e perfeita de Cristo Sacerdote, especialmente na celebração da Eucaristia, tanto mais o dom de Deus será acolhido e tornado fecundo em nós.
Deste ponto de vista, a igreja local ou mundial é “modelo por excelência”. Ela, em espírito de acção de graças, deve saber no Espírito Santo deixar-se cobrir pela sombra do Espírito (cf. Lc 1, 35), para que nela o Verbo seja encarnado e anunciado aos homens. Ao olharmos para ela (crentes deste tempo), compreendemos que o santuário é o lugar do acolhimento do dom que vem do alto, a morada em que, em acto de agradecimento, nos deixamos amar pelo Senhor, precisamente segundo o seu exemplo e com a sua ajuda devemos amar de tal modo que sejamos santuário que apelam a peregrinos a vir eles também adorar.
O santuário recorda deste modo que, onde não há gratidão, o dom se perde; onde o homem não sabe dizer obrigado ao seu Deus que todos os dias, também na hora da provação, o ama de modo novo, o dom permanece ineficaz.
O santuário testemunha que a vocação da vida não é dissipação, atordoamento, fuga, mas louvor, paz e alegria. A compreensão profunda do santuário educa assim para viver a dimensão contemplativa da vida, não só no interior do santuário, mas em todo o lugar. E visto que é em particular a celebração que se põe como ápice e fonte da inteira vida do cristão, vivida como resposta de gratidão e de oferta ao dom que vem do alto, o santuário convida de modo muito especial a redescobrir o Sábado, que é “o dia do Senhor”, e também “senhor dos dias”, “festa primordial”, “posta não só para ritmar a sucessão do tempo, mas para revelar o seu sentido profundo”, que é a glória de Deus tudo em todos .
Partilha e empenho
Em terceiro lugar, o santuário, enquanto memória da nossa origem, mostra como este sentido de admiração e de acção de graças nunca deve prescindir da partilha e do empenho pelos outros. O santuário recorda o dom de um Deus, que de tal modo nos amou que construiu a Sua tenda no meio de nós, para nos trazer a salvação, para Se fazer companheiro da nossa vida, solidário com o nosso sofrimento e com a nossa alegria. Esta solidariedade divina é testemunhada também pelos eventos fundacionais dos vários santuários. Se assim Deus nos amou, também nós somos chamados a amar os outros (cf. Jo 4, 12) para sermos, com a vida, o templo de Deus. O santuário impele-nos à solidariedade, a ser “pedras vivas”, que se apoiam uma na outra na construção em torno da pedra angular, que é Cristo (cf. 1 Pd 2, 4-5).
Para nada serviria viver o “tempo do santuário”, se este não nos impelisse ao “tempo da estrada”, ao “tempo da missão” e ao “tempo do serviço”, lá onde Deus se manifesta como amor para com as criaturas mais débeis e mais pobres.
Como nos recordam as palavras de Jeremias, mencionadas também no ensinamento de Jesus, o templo, sem a fé e sem o empenho pela justiça, reduz-se a um “covil de ladrões” (cf. Jr 7, 11; Mt 21, 13). Os santuários mencionados por Amós não têm sentido, se neles não se procura verdadeiramente o Senhor (cf. Am 4, 4; 5, 5-6). A liturgia sem uma vida baseada na justiça transforma-se numa farsa (cf. Is 1, 10-20; Am 5, 21-25; Os 6, 6). A palavra profética chama o santuário à sua inspiração, despojando-o do sacralismo vazio, da idolatria, para o tornar semente fecunda de fé e de justiça no espaço e no tempo. Eis, então, que o santuário, memória da nossa origem junto do Senhor, se torna o contínuo apelo ao amor de Deus e à partilha dos dons recebidos. A visita ao santuário mostrará então os seus frutos, de modo particular no empenho caritativo, na acção pela promoção da dignidade humana, da justiça e da paz, valores para os quais os crentes se sentirão chamados de modo novo.
Sem comentários:
Enviar um comentário